Monday, August 02, 2004

Crônica para o Dia da Vovó


Resolvi relembrar e homenagear, mesmo que postumamente, os meus avós. Sim, porque dia 26 foi o dia da vovó e eu nunca ouvi falar do dia do vovô e tenho certeza que um não é mesmo importante do que o outro, essa crônica é dedicada para todos eles.
Desde que eu me entendo por gente, sempre os vi morando no mesmo sítio em uma pequena cidadezinha do interior de São Paulo. Como minha família e eu sempre moramos na capital, desde o casamento de meus pais, víamos os "ditchans" e as "batchans" raramente, salvo as festas de final de ano, os casamentos da família, o dia dos pais ou das mães, a Páscoa ou o velório de algum parente... Ah, no meu caso, também havia periodicamente, uma espécie de missa, rezada para alguém que já morreu e que é muito importante para os budistas. De acordo com o monge, assim eles continuarão perpetuando os ensinamentos de Buda mesmo pós-mortem. Naturalmente, eles utilizam uma metáfora muito bonita pra explicar tudo isso...
Enfim, explicações nipo-culturais à parte, eu e Kika tivemos pouco contato com nossos avós que além de tudo, falavam japonês. Eu, particularmente, achava uma certa graça quando era pequena. "Por que eles não conseguiam conversar comigo em português se já moravam no Brasil há tanto tempo?" Pior:" como eles conversavam com as outras pessoas?". Sei lá, no fundo, todo o mundo se entendia...
A minha avó materna foi a primeira que eu perdi. Devia ter uns 12 ou 13 anos e fiquei muito triste, embora não entendesse ainda o que essa perda significava. Lembro que ela era bem pequenininha, sempre me pareceu um pouco frágil, mas de um gênio bastante difícil. Ela era bastante supersticiosa e por vezes, me chamou a atenção para que o malgrado não me atingisse.
Sempre no final das tardes, sentava na muretinha em frente a janela da cozinha que dava de frente ao barracão, emitia um som como um Pipipipipíííí e jogava milho para as galinhas e os pintinhos.
Também nas festas de final de ano, juntava-se ao meu tio Tsuyoshi, bem forte e gordão naquela época, para amassar o "gorran" (arroz) no pilão e fazer moti, que eu amo até hoje...
O "Di" Kunio trabalhou na horta do sítio até que não pôde mais por causa de uma catarata em estado avançado. Nas férias, meus primos Nenê e Kaoro mais a Kika e eu íamos pescar no açude de onde o Di tirava a água pra aguar a horta sempre muito verdinha.
Depois de regar a plantação, sentava em um banquinho de madeira debaixo do pé de mamão, cortava o fumo, enrolava o cigarrinho de palha e ficava lá...
O Seu Soji Sugahara, meu avô materno, foi uma das pessoas mais admiráveis que eu convivi na vida. Certa vez, veio passar uma semana conosco em casa e quis ir até a feira. Voltou com meia dúzia de maçãs argentinas, muito grandes, bem vermelhas e ainda embrulhadas uma a uma com um papel de seda roxo para protegê-las. Sempre foi impecavelmente caprichoso. Na missa de aniversário de morte da minha avó, eu soube pela primeira vez que o Di tinha sido doceiro no Japão. Preparou um moti especial (desculpem minha ignorância em relação á alguns assuntos da colônia, mas não sei o nome correto desse "doce") em forma de flor, peixe, pássaro... fez com uma graça, uma destreza pra dar forma e delicadeza pra tingir. Fiquei abobada com tamanha perfeição.
Sinto muito a falta dele, a saudade ás vezes chega a doer. Saudade boa, de quem me ensinou muito e preenche grande espaço do meu coraçãozinho... não que os outros não tenham sido importantes, mas descobri tardiamente quão importante é o carinho dos vovuchos na vida da gente.
A Dona Mioko, minha "Bá" paterna, é sem dúvida alguma a mais cerelepe de todos. Ela mora sozinha aos oitenta e tantos anos, faz crochê, tricô, costura, caminha trocentos quilômetros todos os dias e segundo meus primos, conhece gente da cidade de quem eles nunca ouviram falar... Ah, claro, faz comidas de vó como ninguém e mima a mim e a Kika com um bolo pão-de-ló com calda de côco e açúcar sempre que damos as caras por lá.
Foi a mais próxima até hoje, até por conta da sua fama de passeadeira. Ela é mesmo o esteriótipo de vó que eu sempre ouvi falar: acorda bem cedo, faz trabalhos manuais, faz comidas gostosas de vó ( que no sítio tinham um sabor mais especial ainda por causa do fogão á lenha), entre outras coisas mais. Ela adora um bom passeio, e há uns poucos anos atrás foi aventurar-se no Japão com minha prima Kátia, com a desculpa de que queria ver o Sakura matsuri (festival das flores de cerejeiras) e visitar meu tio-avô ( que eu nunca conheci e é o único que mora lá).
O fato é que não sei porque cargas d´agua ela achou que fosse precisar de uma tesoura e um canivete e enfiou na mala sem hesitar. Sem hesitar também a Polícia Federal fez ela abrir a malinha, tirar os pertences não gratos, pagar uma multinha e só então partir para a terra do sol nascente...
Que bom é ter o prazer de conviver com criaturas tão especiais como essas. Tomara que você tenha tido essa sorte!
Beijos na vida:
Dani

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